Ela não se queixa mais do tempo.
Já não parte mais da premissa de que as horas não passam. Porque quando elas se amontoam em dias que formam semanas e edificam meses até que contem-se anos, a passagem do tempo se relativiza. O enfoque deixa de ser cronológico. A questão não é
“Há quanto tempo ele não está?”
Mas sim
“Ele não está.”
Ela o ama. Ele sabe. Talvez conheça o verbete mas não se familiarize com o sentimento. Ou talvez apenas não haja reciprocidade. Talvez ele seja sentimentalmente imaturo. Ou ela emocionalmente ingênua. Ou um pouco de ambos. Talvez eles se assemelhem, sob certo ângulo. Mas há uma visível diferença, vista de todos os outros prismas: ele não está junto dela.
Ele está em todos os lugares. Porque não está em lugar algum. Mas, de certo, em simbiose entre sua alma e sua tez, ele reside. Ou talvez não. Ela não sabe. Não compreende como algo tão seu, tão íntimo, pode ser ao mesmo tempo tão inacessível, tão alheio. Ela não consegue entender. Mas dedica seus dias a tentar.
Há dias de trabalho. Exaustivos. Extenuantes. Abençoados. O cansaço é a distração suprema. O ungüento definitivo. Desvia a atenção e abranda a saudade. Saudade? Saudade pressupõe a falta do que se teve. Para haver saudade, é preciso que haja. E não há. Não houve. Não mais. Escolha equivocada de palavras.
Também há noites festivas. Há o escuro, pousada da melancolia. Há a maquiagem, que adultera não o rosto mas os sentidos. Há outros. Mas não ele. Não aquele a quem ela precisa constantemente se lembrar de esquecer.
As tardes vêm, febris e úmidas em sua maioria. Não do mormaço antevendo a chuva, mas das lágrimas abandonando os olhos. Porque o abandono sempre se faz presente em sua perspectiva? Não é uma pergunta retórica. É quase uma afirmação. A inconstância sentimental é seu pano de fundo. Mas ela persevera. Não se queixa. Lida bem com a situação. Ou tem uma vocação nata para a interpretação. Talvez nem ela mesma conheça a alternativa correta.
Ela jamais o cobraria. Ela diz que quem ama liberta. Anistia. Esse é seu lema. Ou seria um consolo? Semântica. Nada além de semântica. Sinônimos dispostos sequenciadamente. Assim como as palavras que permeiam esse texto. Não são de sua autoria. Talvez ela sequer esteja familiarizada com algumas delas, menosprezo à parte. Mas quando foi que a inexperiência gramatical livrou alguém da saudade incrustada nas sentenças? O desconhecimento a faz, se tanto, não definir precisamente de qual dos substantivos irradia sua dor. Nada mais. A amarga ironia é que a resposta vem em forma de pronome: ele.
Ela queria apenas experimentar o conforto de seus braços. E já não distingue se isso é um anseio ou um feixe de luz iluminando o passado. Que diferença faz, afinal? A memória não se contenta em apenas recordar. Ela extrapola situações novas baseadas em fatos antigos. Complementa eventos que não tiveram conclusão. O beijo que não aconteceu. O afago que não existiu. A presença que não se fez presente. A cumplicidade que não vai desabrochar. E a esperança de que essas simulações que embriagam suas lembranças algum dia se convertam em realidade. Essa seguramente é a parte mais difícil de emular.
Ela não quer piedade. Piedade é para quem sofre. Ela não sofre. Ela ama. Ela O ama. Não sofre. Ama. Sofrer não. Amar. Ela ama. Não sofre... Mentaliza isso como se fosse um mantra. Até se convencer. Na vã esperança de que a repetição transmute a realidade. Ou até que a misericórdia de Deus lhe traga o sono. Ama. Não sofre. Ama...
E, ao final de mais um interminável dia, só há alguém consigo: ela.
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